"Há um conto de H. G. Wells, chamado 'A terra dos cegos', que narra o esforço de um homem com visão normal para persuadir uma população cega de que ele possui um sentido do qual ela é destituída; fracassa, e afinal a população decide arrancar-lhe os olhos para curá-lo de sua ilusão. Discuta a idéia central do conto de Wells comparando-a com a do ditado popular 'Em terra de cego quem tem um olho é rei'. Em sua opinião essas idéias são antagônicas ou você vê um modo de conciliá-las?"
Paradoxo
O ditado popular em questão é uma metáfora da seguinte verdade: em uma população cuja maioria é homogeneamente deficiente em qualquer habilidade crítica ou perceptiva da realidade (os cegos) a possível existência de alguém com capacidade de maior desenvolvimento crítico e perceptivo mesmo que tal capacidade seja considerada minimamente maior, já é motivo para tal personalidade ser considerada superior (o rei de um olho só).
Realmente, para tal população, como a terra dos cegos, um homem com a visão normal provavelmente conseguiria governar com certo condoreirismo, se pensasse no bem comum. É uma ideia que, na teoria, deveria funcionar, pois faz completo sentido: uma pessoa beneficiada de modo a, com poder, beneficiar o restante.
Já na prática, o resultado é outro. Considerando a natureza humana que, ao menos atualmente, não tem mostrado o menor índice altruísta, o que provavelmente aconteceria seria o que normalmente vemos na política real: o poder sobe à mente das pessoas, transformando-a na personificação do egoísmo.
Claramente, o ditado é um eufemismo para a ignorância humana, que considera o próprio homem capaz de melhor percepção em função, simplesmente, de sua observação direta, enquanto por sua vez o conto deixa clara tal ignorância e hipocrisia, revelando o fracasso que segue a exposta suposição.
Portanto, as idéias formam um paradoxo, e não um antagonismo. É um paradoxo que exprime o conflito do ser e do parecer, da teoria e da prática, onde a prática e o ser são representados pelo egoísmo humano.