"Quando George Orwell escreveu seu romance '1984', ele imaginava uma sociedade totalitária, na qual todo cidadão teria uma câmera de TV vigiando seus movimentos. Hoje em dia todo escândalo se funda em gravações clandestinas, em câmeras ocultas, em microfones escondidos. É como se o 'Grande Irmão' tivesse abandonado a esfera do Estado para se tornar representante da Sociedade Civil.A alteração é salutar na medida que revela o abuso e a corrupção do próprio aparelho do Estado. Mas seu significado tem uma gravidade maior.Todos nós podemos estar sendo espionados. Uma pequena transgressão no Imposto de Renda deixa de estar a salvo. A tecnologia das comunicações vai tornando público, tendencialmente, o quotidiano de qualquer pessoa.A 'vida privada' está em vias de desaparimento."(MARCELO COELHO - FOLHA DE SÃO PAULO 21/5/97)
Medos e segredos
No romance de Orwell, seus personagens são torturados pelo simples fato de pensarem. Essa ação que hoje parece fundamental não podia existir no Estado fictício do livro, pois o pensamento é considerado o ponto de partida para a insatisfação popular e consequentes revoltas. Na História, o Estado controla toda e qualquer ação da população por meio de câmeras e microfones escondidos em todos os lugares.
Atualmente, tais medidas foram tomadas por outros motivos. A própria sociedade pede para alguém ser vigiado ao não cumprir as leis básicas de convivência. As câmeras inspiram segurança aos cidadãos enquanto ameaçam, silenciosamente, possíveis vândalos ou criminosos. Em outros casos, quando são filmados, gravados ou espionados os hábitos de certas pessoas, isso só será prejudicial caso haja algo a ser escondido, algo fora da lei.
Enquanto na sociedade totalitária de “1984” o maior medo era a presença das “teletelas” vigiando todo e qualquer movimento humano, hoje em dia isso só é temido por quem realmente faz algo errado. Não importa mais o pensar, falar ou viver; para se ser prejudicado é necessário prejudicar outrem primeiro. Agora, o que realmente as pessoas mais temem são os olhos das outras.
O medo não é de o Estado presenciar algum ato incorreto, mas sim do julgamento que as pessoas farão de tal ato. As leis são leis e quanto a isso não se pode discutir: o certo é o certo, e o errado é o errado. Mas sobre o que é certo ou errado entro da lei, cada um tem seu concerto. E é aí que reside o maior medo atual: ser julgado por um semelhante.
Portanto, a atual vigilância foi praticamente exigida pelos marginais de nossa sociedade. A individualidade e a privacidade do resto da sociedade estão sendo extintas pelo fato de, ironicamente, essa mesma sociedade ser repleta de julgamentos e pré-conceitos.