Sabe do que eu realmente me arrependo? Da comunhão de bens. Por que diabos fizemos isso? E não só com você, mas com todos vocês! Oi? Ah sim, explicações. Isso é um pedido de separação de bens. Não bens materiais, mas lembranças. Cada um de vocês, míseras paixões, amores ou pseudo-amizades, levou algo meu consigo. Ou, melhor dizendo, deixou algo seu comigo. Peço-lhes que venham buscar suas coisas e devolvam as minhas. Não, não é o ''retrato que eu te dei''. É a calma que vem com o aparecimento da lua; algum de vocês me roubou isso... Substituiu essa calma por um sentimento. Não é saudade, é simplesmente teu nome. Pegue teu nome e devolva minha paz. Essa é uma regra sem exceção, para todos e cada um de vocês. Às vezes é algo tão mínimo que nem chega a ser um nome, é uma inicial sem dono, você, se for o dono, pegue-a de volta! Você aí... Devolva a ingenuidade de tomar banho de chuva no verão, e pegue teu nome. Você? Me devolva a ideia de porto seguro, e pegue teu nome. Para que esse documento se torne menos repetitivo, tentarei apenas listar as coisas que peço de volta: a ideia de virgindade, a crença no amor, o mar, a noite, o frio, o shampoo (principalmente o aroma), o perfume (idem item anterior), o arroz com legumes, o pequeno príncipe e sua rosa, as raposas, os cães, o leite derramado, o Harry Potter, o Marley e Eu, os anos de escola, o Titanic (mal vê-se as legendas: tantos são os nomes que me atrapalham a visão), as férias, a viagem para Ilha Grande, o Ano Novo de 2010, o Natal de 2008 e o Cruzeiro, o Chico Buarque, a Clarice Lispector, os ditados, a lasanha, o suco de caju, o apelido, a foto. Esse último item merece algo especial. Imploro-lhes! Quero o ressarcimento de todas as fotos e paisagens. Sem falar nas músicas! Por Deus... Vocês sabem o que fizeram com meu repertório? Esgotaram-no! Cada verso, cada ritmo, cada introdução, cada banda e cada personalidade da música... Não tenho paz! Nomes e mais nomes, repetidos e novos, invadem-me a cabeça como quem sai da água em busca de oxigênio: é um tormento. Ah, as minhas palavras... Deixem-as comigo, do jeito que eram, com o que representavam. Vocês foram tantos, às vezes um de vocês representou para mim diferentes personalidades. O resultado? Cada palavra que carrego, carrega consigo uma bagagem suja, imunda. Nada é literal, tudo é subjetivo. E meus sonhos?! Céus, como sinto falta disso! Poder sonhar com um país, com uma casa, com uma família, com um emprego... Impossível! Seus nomes aparecem grifados, tatuados, estampados, manchados e grafitados; na pior das hipóteses, escondidos. As datas! Por que, em nome de todos os santos, fizemos questão de marcar aquele dia ou aquele mês? Depois de vocês, minha cabeça virou uma bagunça. Nada é o que é... Não é triste nem nostálgico. Mas eu queria que não fosse complicado. Queria que fosse simples e literal. Queria que meu mundo fosse um dicionário meu e só meu, só com adjetivos, substantivos simples e abstratos... Sem sujeito e sem substantivo próprio: sem o nome de nenhum de vocês.
Enfim, me comprometo com um contrato, afirmando que em futuro relacionamento, com vocês ou com outros, não cairei em nenhuma ladainha repleta de promessas e carente de futuro. O que é meu, é meu... E, ao menos agora, ninguém me tira.
E, por favor, deixem minhas coisas no canto da sala.