sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O causo da lagartixa

______Era uma noite quente de quarta-feira. Eu estava sozinha em casa, meus pais só chegariam às 23h. Apesar do calor, eu estava de meias, uma mania. Fui tomar meu banho. Sempre correndo, não acendi as luzes do banheiro de imediato, e foi aí que aconteceu a tragédia: senti algo pegajoso na minha meia. Me apavorei, obviamente. No escuro, esfreguei loucamente a sola do meu pé no chão, até sentir que a dita cuja não estava mais na minha meia. Acendi as luzes: a dita cuja era uma lagartixa minúscula e indefesa!
______Gritei, esperneei, comecei a chorar desesperadamente. Eu havia arrancado as patinhas da lagartixa! Eu deixara a lagartixa paraplégica! Imaginem a dor que ela sentia, eu havia acabado de arrancar as patinhas dela! Foi como se um prédio não só a pisoteasse, mas também a esfregasse no chão...
______Não sei exatamente o que se passou comigo, e sei que se hoje isso acontecesse novamente, minha reação seria exatamente a mesma. Acontece que amo animais, ainda mais os tão indefesos. E o que mais indefeso que uma lagartixa filhotinha e paraplégica? Lembrei, então, que quando puxamos o rabo da lagartixa, ela faz nascer uma nova cauda. Foi aí que comecei a rezar, pedi para Deus, para anjos, para mentores, para Santo Antônico, para meu avô, até para São Longuinho: por favor, por favor, por favor, por favor, façam com que ela viva e reconstrua as patinhas! 
______Fiz ligações, mandei mensagens... O que fazer com a pobrezinha? Acontece que, paralelamente ao meu amor pelos animais, tenho nojo. Hipocrisia ou idiotice, seja o que for, tenho nojo de animais pegajosos, ou com muitas patinhas. Estava entre a cruz e a espada: não conseguia matá-la para que ela não sofresse, por dó; não conseguia pegá-la e fazer algo, por nojo. Eu simplesmente deixei a coitadinha lá. Fui tomar banho no outro banheiro.
______Chorei mais e mais, ficava encarando-a e chorando, gritando, esperneando. Finalmente meus pais chegaram. Eu, com os olhinhos inchados, pedi para a minha mãe que pegasse a coitadinha e colocasse-a no vaso da varanda, com todo o cuidado. Minha mãe foi, realizou meu pedido e disse: 
- Filha... Er... - balbuciava minha mãe.
- Oi mãe... - choramingava eu.
- A lagartixa está durinha durdinha, mortinha mortinha. - disse por fim minha mãe.
______Aí, como ela já esperava, eu desabei. Chorei mais e mais. Culpava-me, odiava-me, amaldoçoava-me:
- Por que você não presta atenção em nada, Fernanda? Por que você não acendeu a luz? Por que você deixou a pobrezinha sofrendo, paraplégica? Aliás, amputada!
______Com o passar da noite, me recuperei. Acordei com os olhos doendo de tanto chorar, mal abriam. Fui, com o coração na mão, ver a pobre defunta. Nada na varanda, nada no vaso. Perdi a linha.
- Mãaaaaaaaaaae, onde você jogou a lagartixa? Eu pedi pra colocar no vaso, você jogou na privada? Ou no ralo? Me falaram que ela podia voltar!
- Ela está no vaso, Fernanda!
- Não, não está. Vem me mostrar então!
______Não achamos a coitadinha. Veio-me então a luz: ELA RESSUSCITOU! Um tempo depois, me contaram que quando a lagartixa se sente ameaçada, ela se finge de morta: fica dura e imóvel.
______Podem falar que na verdade o vento da noite simplesmente jogou o pobre defunto para fora da varanda... Mas prefiro acreditar em milagres da natureza.